Maria de Lourdes Modesto III (jornal i)

O programa "Culinária" esteve 12 anos no ar. "Acabava sempre da mesma maneira, com um sorriso perfeitamente idiota: 'muito boa noite. Obrigada pela atenção que me dispensaram'. Depois ficava pendurada à espera que me tirassem do ar", ri. "Logo a seguir diziam-me, 'Srª Dª Maria de Lourdes, tem 14 chamadas em linha."

Mandavam-lhe aventais, penteadores, sapatinhos de dormir feitos à mão e até taças e conchas de prata. As cartas chegavam às centenas. Algumas eram de amor. A maior parte continha dúvidas e pedidos de receitas. Também lhe perguntavam onde comprara a roupa. Uma camisa de padrão leopardo vinda de Paris entusiasmou as portuguesas. A cozinheira seguia as tendências da moda. Se por cá diziam que era "exótica", em França, chamavam-lhe "a rapariga do ano seguinte", conta. "Nunca me achei bonita."

O mais difícil passava-se nos bastidores. "Sofríamos uma grande pressão", explica. Um director da RTP gostava de lhe dizer, "a senhora lembre-se, cada minuto que está no ar são 60 contos". Assinava um contrato por programa, sem garantias de estar de volta ao ecrã na semana seguinte. Um ministro do Estado Novo chamou-lhe "inimiga número um da cozinha portuguesa", por fazer pratos franceses. E o público também reclamava. O pior foi que quando decidiu fazer uma receita tradicional: não era assim, responderam os espectadores em coro. Cada família sua receita, já se sabe. Em 1960, resolveu o problema com um concurso de receitas, uma região por programa. Choveram cartas de todo o país.

A pesquisa durou 20 anos, incluindo idas a casas de espectadoras, como uma mulher que vivia na Av. Infante Santo, em Lisboa e queria ensinar-lhe a fazer papas de moado, um doce com sangue de porco.

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